CURITIBA – Como enfermeiro, especialista em saúde e jornalista dedicado à comunicação científica, vejo o tema escolhido pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) para a Semana da Enfermagem 2026 como uma síntese poderosa do momento histórico da profissão no Brasil. “Técnica, Ética e Política: Pilares Inegociáveis do Cuidado de Enfermagem” não é apenas um slogan institucional — é um chamado à realidade, uma leitura madura do cenário contemporâneo e uma sinalização estratégica para o futuro da enfermagem.
A escolha evidencia que cuidar está longe de ser um ato isolado de execução técnica. O cuidado é, antes de tudo, um fenômeno complexo, que exige conhecimento científico, princípios éticos sólidos e consciência política. E é justamente na interseção desses três eixos que a enfermagem se fortalece como profissão essencial para a saúde pública.
1. Técnica: o alicerce científico que sustenta a segurança do paciente
A técnica é a base que torna o cuidado possível.
Sem domínio técnico, não há segurança, não há precisão e não há qualidade assistencial.
Em áreas críticas como UTI, emergência, obstetrícia, saúde mental ou atenção primária, a tomada de decisão exige:
- raciocínio clínico rápido e fundamentado;
- atualização constante baseada em evidências;
- habilidade psicomotora e precisão de procedimentos;
- vigilância contínua sobre riscos e complicações;
- domínio de tecnologias e protocolos.
É importante reforçar que não existe cuidado seguro sem competência técnica, e que a técnica não é estática — ela evolui conforme a ciência avança. A enfermagem brasileira já demonstrou sua capacidade de incorporar tecnologia, protocolos e novas práticas, mas também enfrenta desigualdades estruturais que dificultam a atualização de muitos profissionais.
Contudo, a técnica, isoladamente, não basta.
Sem ética e política, ela perde sua potência social.
2. Ética: o núcleo moral que protege a vida e orienta o cuidar
No contexto brasileiro, marcado por sobrecarga de trabalho, déficit de pessoal e ambientes assistenciais que frequentemente impõem limites hostis, agir eticamente tornou-se um ato de resistência.
A ética na enfermagem representa:
- respeito incondicional à dignidade humana;
- compromisso com a autonomia do paciente;
- enfrentamento de práticas opressivas;
- preservação do sigilo e da verdade;
- responsabilidade diante da vulnerabilidade alheia;
- tomada de decisão que prioriza o bem-estar e a segurança.
O Código de Ética da Enfermagem não é um manual burocrático.
É o centro moral da profissão, uma bússola que direciona decisões difíceis — especialmente em ambientes onde recursos são insuficientes e a pressão institucional é intensa.
Ser ético na enfermagem é ter coragem para defender o paciente quando o sistema não o protege.
E essa dimensão, por si só, já justificaria a inegociabilidade dos três pilares.
3. Política: o espaço onde a enfermagem deixa de ser invisível
A palavra “política” ainda causa temor em muitos profissionais de saúde, mas é impossível separar política de cuidado. Todo ato assistencial acontece dentro de uma estrutura política — de financiamento, de gestão, de protocolos, de decisões governamentais e institucionais.
E a enfermagem, com mais de 3 milhões de profissionais, não pode permanecer afastada desse debate.
A política da enfermagem não tem relação com partidarismo.
Ela se expressa em questões como:
- financiamento adequado do SUS;
- políticas de segurança do paciente;
- dimensionamento seguro de enfermagem;
- condições de trabalho e prevenção do adoecimento;
- piso salarial e carreira;
- lideranças enfermeiras em cargos de gestão;
- participação em conselhos, câmaras e espaços deliberativos;
- formulação de políticas públicas de saúde.
A política é o que transforma técnica em estrutura e ética em garantia de direitos.
Sem política, a enfermagem permanece subutilizada e subvalorizada.
Por que esses três pilares são realmente inegociáveis? — Uma análise crítica
A resposta é simples, mas profunda:
porque eles representam a essência da enfermagem.
- Técnica sem ética se torna mecanicista, fria e até perigosa.
- Ética sem política vira discurso vazio, incapaz de modificar realidades.
- Política sem técnica perde credibilidade e se desconecta das necessidades reais da população.
A força da enfermagem está exatamente na união desses elementos.
Eles mostram que o enfermeiro contemporâneo não é apenas executor de tarefas, mas:
- líder de equipes,
- gestor de processos,
- educador,
- pesquisador,
- articulador institucional,
- defensor de direitos,
- agente de transformação social.
O tema da Semana da Enfermagem 2026 reconhece a complexidade dessa identidade.
Ele reafirma que cuidar é mais do que agir — é compreender, decidir, assumir, defender e transformar.
Um marco para a categoria: análise e opinião
Do ponto de vista analítico, o tema escolhido pelo Cofen revela uma mudança de paradigma: a enfermagem deixa de se compreender apenas como força de trabalho e passa a se afirmar como força estratégica para o funcionamento do sistema de saúde.
Do ponto de vista opinativo, considero esta escolha não apenas acertada, mas urgente.
Assumir que o cuidado depende de técnica, ética e política é admitir que a enfermagem não pode mais aceitar silenciamento, invisibilidade ou subvalorização.
A Semana da Enfermagem 2026 será, portanto, um momento simbólico e prático:
- simbólico, porque reafirma a identidade da categoria;
- prático, porque convoca reflexão, protagonismo e responsabilidade social.
Como profissional da saúde e comunicador, vejo neste tema um chamado para que a enfermagem se reconheça como protagonista da defesa da vida, da segurança do paciente e da dignidade humana. A profissão não pode retroceder — e, diante dos desafios atuais, também não pode se acomodar.
A enfermagem brasileira tem maturidade, ciência, ética e força política para assumir seu lugar de liderança.
Os três pilares escolhidos pelo Cofen apenas tornam visível aquilo que já é verdade:
a enfermagem é técnica, ética e política — e esses elementos não são negociáveis.
