A Enfermagem como Pilar Invisível do Sistema Único de Saúde em Cenários de Precariedade

A Enfermagem como Pilar Invisível do Sistema Único de Saúde em Cenários de Precariedade

O Sistema Único de Saúde (SUS) é frequentemente celebrado como uma das maiores conquistas sociais do Brasil. No entanto, quem caminha pelos corredores de hospitais públicos em 2025 sabe que essa engrenagem gigante não gira apenas com verbas ou portarias governamentais. Ela é movida, em grande parte, pelo esforço sobre-humano de uma categoria profissional que, paradoxalmente, é a mais essencial e a mais invisibilizada: a enfermagem.

Neste artigo, analisamos a realidade nua e crua dos profissionais que transformam a escassez em assistência e o “jeitinho” em sobrevivência.

O “Heroísmo” que Mascara a Precariedade

Durante a pandemia, chamamos os enfermeiros de “heróis”. Hoje, percebemos que esse rótulo pode ser perigoso. Ao romantizar o sacrifício, a sociedade normaliza condições de trabalho inaceitáveis.

Relatórios de fiscalização de 2024 e 2025 revelam que a “criatividade” da enfermagem é, muitas vezes, um grito de socorro. Em unidades do Distrito Federal e de Pernambuco, a falta de insumos básicos — como seringas, luvas e analgésicos potentes (tramadol e morfina) — obriga profissionais a improvisarem para que o paciente não sofra.

Não se trata apenas de habilidade técnica; trata-se de sobrevivência operacional. Há registros de profissionais que, diante da falta de estrutura, improvisaram berços aquecidos com caixas de papelão para salvar recém-nascidos ou compraram materiais de curativo com o próprio dinheiro para não deixar pacientes desassistidos.  

A Fuga de Cérebros e a Epidemia de Burnout

O custo desse “heroísmo compulsório” é a saúde de quem cuida. Dados alarmantes da Demografia da Enfermagem indicam que a profissão está envelhecendo e perdendo atratividade para os jovens. A participação de profissionais entre 18 e 24 anos caiu drasticamente na última década, de 5,6% para apenas 2,9%.  

O motivo é claro: o adoecimento. Com a classificação da Síndrome de Burnout como doença ocupacional (CID-11), o Brasil desponta como o segundo país com mais casos no mundo. Cerca de 30% da força de trabalho brasileira sofre de esgotamento, e na enfermagem, esse número reflete a rotina de plantões duplos e a pressão psicológica de gerenciar a falta de leitos e recursos.  

Piso Salarial: A Conquista que Virou Batalha Judicial

Em 2025, o Piso Salarial da Enfermagem continua sendo o centro de uma disputa econômica e jurídica. Embora seja lei, a sua aplicação plena enfrenta barreiras burocráticas e manobras de empregadores.

O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) registrou mais de 11 mil denúncias em apenas 12 meses sobre irregularidades no pagamento, incluindo descontos indevidos e a vinculação do piso a uma carga horária extenuante de 44 horas semanais. Isso cria uma distorção onde o enfermeiro precisa trabalhar mais para receber o que é seu por direito, anulando o ganho real de qualidade de vida.  

A Cultura do Medo e a Retaliação

Talvez o aspecto mais sombrio revelado nas investigações recentes seja a perseguição a quem ousa falar. Em episódios recentes em Canoas (RS) e no Distrito Federal, profissionais foram demitidos após denunciarem a falta de insumos e condições precárias de atendimento.  

Essa cultura de silenciamento força o profissional a uma escolha impossível: denunciar o risco ao paciente e perder o emprego, ou calar-se e compactuar com a precariedade. Para combater isso, novas resoluções, como a Política de Prevenção ao Assédio Moral (Resolução Cofen 768/2024), tentam criar mecanismos de proteção para quem denuncia.  

O Futuro da Enfermagem: PEC 19/2024 e Valorização Real

Para que a enfermagem deixe de ser o “amortecedor” das falhas do Estado e assuma seu lugar de protagonismo com dignidade, a pauta de 2025 é clara:

  1. Jornada de 30 Horas: A aprovação da PEC 19/2024 é vista como essencial para garantir saúde mental e segurança ao paciente.  
  2. Infraestrutura Real: Acabar com a dependência de “gambiarras” e garantir abastecimento contínuo nas UBS e hospitais.
  3. Fim do Assédio: Garantir estabilidade e canais seguros para que a ética profissional não custe o emprego do trabalhador.

A enfermagem não precisa de mais aplausos. Precisa de condições para exercer sua ciência sem ter que escolher entre a própria saúde e a vida do paciente — Raimundo Renato da Silva Neto”.

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